sexta-feira, 9 de maio de 2014

Batman : Psicologia e Etica



Gostei do Artigo,trata de Foucault e sua concepção de liberdade e etica,honra e moral que sao valores taxados de coxinha,politicamente correto,chato nos dias de hoje,o que importa nao sao os excessos do passado referente a moral,etica e honra e sim a essencia.

Impactante, reflexivo, atual e, porque não... perturbador? Sob a direção de Christopher Nolan, Batman – Cavaleiro das Trevas, lançado em 2008, provou seu sucesso nas bilheterias dos cinemas, superando as expectativas dos telespectadores ao apresentar um ritmo alucinante, com cenas de tirar o fôlego. A luta entre aqueles que tentam manter a ordem e um “mensageiro do caos”, que só quer ver o circo pegar fogo, cativou os milhares de fãs e rendeu dois Oscars à produção. Enquanto Batman caracteriza-se por ser sério, obscuro, silencioso, controlado e lógico, vemos um Coringa que é o oposto: alegre, colorido, barulhento, impulsivo e aleatório.
O enredo passa-se em um momento em que os criminosos de Gotham City estão temendo a presença, há aproximadamente dois anos, de Batman (Christian Bale). O tenente James Gordon (Gary Oldman) e o promotor público Harvey Dent (Aaron Eckhart) lutam contra o crime organizado com a ajuda do justiceiro. Em função dessa ofensiva, os chefes do crime se rendem a proposta feita pelo Coringa (Heath Ledger) e veem nele a única alternativa para combater o Homem-Morcego. Nesse entrelace de relações, podemos observar diversos comportamentos que nos levam a refletir até que ponto nossos atos são e devem ser pautados por normas e regras e, se a transgressão a estas em nome do que é melhor para todos configura-se como uma possibilidade.
O filme permite algumas sensações angustiantes. Dilemas são postos, escolhas devem ser feitas, as vidas de pessoas são interrompidas e ainda há de se lidar com os “jogos” que o Coringa deseja brincar. Além da angústia (que pode ser resultante) ao ver o filme, outros sentimentos e reflexões também se fazem presentes, pois, em meio a tantas cenas e situações problematizadoras, indagações são suscitadas, tal como “uma boa intenção, leva a uma boa ação que necessariamente resulta em uma boa consequência?”.
Pode-se pensar, a partir do questionamento supracitado, nas diferentes abordagens éticas e, consequentemente, nas formas particulares, e por vezes opositoras, de cada concepção abordar um mesmo fenômeno. Destarte, no filme comentado é perceptível que uma mesma ação, como, por exemplo, o fato de Bruce Wayne se tornar um sujeito mascarado lutando contra o crime organizado pode ser visto de formas diversas. Desse modo, tal ação pode ser avaliada de forma “boa”, pautada na intenção de proteger a cidade, guiado pelo senso de justiça (éticas da virtude) ou como uma “má” ação, ressaltando-se que há violação de regras morais para que esse combate ao crime ocorra (éticas deontológicas).
Ademais, são notáveis no decorrer da história: conflitos, opiniões divergentes e reflexões acerca dos atos que devem ser feitos pensando na consequência para o ator social que a realiza, bem como para a população da cidade. Nesse sentido, é interessante uma discussão acerca do utilitarismo: visando o maior bem e/ou menor sofrimento para a maioria dos sujeitos envolvidos. Batman e Lucius Fox se veem diante de um impasse ético: enquanto Batman pretende utilizar o sistema de sonar criado por Fox como um gerador- receptor de alta frequência para mapear todos os sinais de celulares da cidade e, com isso tentar encontrar o Coringa, Fox considera isso antiético e perigoso, mas, no entanto, o faz e diz que isso será sua demissão. “Espionar 30 milhões de pessoas”, como diz Fox, não fazia parte de suas funções, mesmo que esse fosse o preço a pagar para salvar Gothan.  Vemos aí também um Batman que não se apresenta mais como um herói essencialmente bom, mas um herói que está cheio de conflitos pelas condições em que é colocado.
Em tal contexto, cada personagem mostrou uma forma de agir relacionada à sua própria conduta, princípios e crenças no que é o “melhor”, mostrando claramente uma possível ética utilitarista por parte do Batman. Além disso, a partir da mesma cena pode ser apresentada também a ideia de autonomia, observando-se que cada um agiu criticamente ao tentar exercer sua autonomia, e mesmo que Fox tenha feito contra sua vontade o que Batman pediu, ele mesmo assim escolheu fazer, de modo que exerceu sua autonomia dentro dessa relação de poder.
A autonomia tem fundamental importância no quadro de problemáticas éticas na contemporaneidade e, mais diretamente relacionada ao sujeito, se encontraria no âmbito da crítica, que por sua vez é condição de possibilidade de criação da própria existência dentro do campo das relações de poder. Como condição de avaliação da ação moral, delimita várias esferas de problematização da liberdade e do livre arbítrio do indivíduo, em aspectos políticos e sociais. Por vezes, Batman tem a oportunidade de matar o Coringa, mas não o faz, sendo inclusive questionado por este. Dentro de seu campo de problematização e ação moral, a opção de não matar uma vida é maior que a possibilidade imanente de várias outras serem mortas.
Fala-se, assim, em uma atitude de modernidade ao fazer um diagnóstico do momento e seu contexto, em um exercício de autonomia diante das múltiplas forças sociais. Batman, em seu esconderijo, após ser ferido em uma luta contra uns bandidos, é alertado por Alfred: “Sempre que você dá os pontos, é uma carnificina”, ao que responde: “É. Assim, eu aprendo com os meus erros”. Batman reflete sobre si e suas ações e percebe, através dos seus erros, o que deve ou não voltar a fazer. Nesse sentido, a ética do indivíduo corresponderia a uma atitude crítica do fazer-se objeto para si mesmo no que diz respeito à produção de autonomia enquanto construção da própria vida.
Outros impasses apresentados no filme nos evoca a mais questionamentos, desta vez, relacionados à liberdade, que além de ser um conceito amplo e complexo, é polêmico. Entende-se, para Foucault, que as leis e normas se dão como efeitos das práticas de liberdade, uma vez que são a partir destas novas regras, como modos de ser, experimentar e de agir, que elas serão constituídas.
Detenhamo-nos no Coringa, um personagem marcado por uma história dramática, onde em seu passado vivencia cenas de violência profundamente marcantes, a ponto de produzir nele a incorporação de um personagem o qual é marca literal das cicatrizes em seu rosto, escondidas por maquiagem. Marca de suas vivências, símbolo de quem é: ‘monstro’ e / ou criatura que aterroriza os outros por seus atos que acabam por se vincular às suas características físicas, símbolo construído também por ele e pelas emoções evocadas nos outros.
Considerando a condição de liberdade à existência humana, é legítimo que ele tenha realizado todas aquelas ações? Se existe aí implicado um posicionamento diante do mundo que se colocou à sua frente, a não aceitação de normas impostas, combatendo as regras e todas as fontes que pretendem governar condutas, é legítimo que tenha feito tudo o que fizera?  Longe de qualquer apontamento sobre o que seja certo ou errado, o fato é que ao que parece, o Coringa se fez escravo de seus desejos, ou seja, em sua suposta liberdade, passou longe de estar de fato liberto. Pois, como se pode estar realmente livre a mercê da dominação de seus impulsos?
Para Foucault, a liberdade tem dois eixos principais: não deixar-se dominar pelo outro e dessa forma, não exercer domínio sobre o outro. É o cuidado que devemos ter conosco para não tomar o outro como simples objeto de nossas ações, bem como para não ficar a mercê dele. O que se pretende é o governo dos apetites, de modo a assegurar para si o domínio que permitirá administrar bem a relação consigo e com o outro. O Coringa não tem domínio sobre si e, consequentemente, domina também o outro.
Várias outras questões da dimensão ética poderiam ser suscitadas no decorrer da trama, sempre nos levando ao apontamento apresentado pelo Coringa: “Sabe, a moral deles... A honra... É uma piada de mau gosto. Esquecem ao primeiro sinal de problema. As pessoas são tão boas quanto o mundo permite”. Então, por que não assistir e se (des)encantar com o filme, buscando compreender suas ações, lógicas e reflexões?

REFERÊNCIAS:

Costa, C.F. (2006). Razões para o utilitarismo: uma avaliação comparativa dos pontos de vista éticos. In Menezes, A.B.N.T., Ética, Bioética: diálogos interdisciplinares (pp. 15-38). Natal: EDUFRN.
Menezes, A. (2006). Ética e modernidade: A dimensão da autonomia em Michel Foucault. In: Menezes, A. Ética, Bioética: Diálogos interdisciplinares. Natal: EDUFRN.
RODRIGUES, C.; TEDESCO, S. Por uma perspectiva ética das práticas de cuidado contemporâneo. In: Ética e Subjetividade Novos impasses no contemporâneo. TEDESCO, S.; NASCIMENTO, M. L. (Orgs.). Editora Sulina.

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